
A2-S50WS CLEVER MIND MODEL • Versão 22.5.3.1 — Auxiliar Pessoal Multi Tarefas Avançadas Pro II. Segundo a descrição do fabricante na embalagem — androide para tarefas complexas e delicadas, capaz de lidar com qualquer tipo de imprevisto e se adaptar a todo tipo de situação. Dotado de cérebro bio-eletrônico-sintético, processa até oito Megaflops de dados, tanto de forma binária, quanto analógica. Incorpora a mais recente IeA, “Inteligência emocional Artificial”, que lhe faculta auto consciência, empatia e afeto. Sistemas mecânico, hidráulico e eletrônico construídos a partir de componentes similares aos modelos militares. Músculos formados por feixes de fibra de carbono e esqueleto de titânio. Mobilidade, leveza, agilidade e força. Alimentado por nano baterias em formato de colmeia, posicionadas na parte posterior da cabeça e indo até o fim da medula espinhal. Autonomia aproximada de três dias. Ou 24 horas de uso ininterrupto em tarefas que exigissem alto nível de desempenho, físico e mental. A recarga deveria ser feita, preferencialmente à noite, conectado a uma poltrona ergométrica. Fornecida apenas como acessório, não inclusa com a unidade. Tempo estimado de vida útil: cinquenta e cinco anos — expansíveis.
Verdadeiro milagre tecnológico desenhado com o único propósito de atender às necessidades e desejos de um seleto grupo de bilionários. Um servo sintético de altíssimo desempenho. Extremamente inteligente, eficiente e absolutamente fiel ao usuário. Cada unidade custava o equivalente a uma mansão de quinze quartos em Côte d’Azur, na França. Uma bagatela.
Num mundo cronicamente rarefeito de justiça e paridade de direitos, cada vez mais desigual e cruel, a maioria lutava, diariamente, apenas para não ser esmagada pelo peso de uma engrenagem perversa. Estrutura colossal por eles mesmos sustentada. A civilização era um monstruoso monumento à opulência de uma minoria preocupada apenas em preservar seus próprios privilégios. Essa maravilhosa criatura high tech, que valia mais do que a vida de milhões deles, parecia um escárnio acintoso.
Como qualquer item de altíssimo valor, os andróides de luxo eram muito cobiçados. Principalmente por criminosos e outros cidadãos de bem, acima de qualquer suspeita e capazes de tudo para alcançar o topo. Apesar de virem apinhados com mil aparatos de segurança, uma vez desarmados os dispositivos anti furto, suas funções primárias poderiam ser reformatadas. Era senso comum no submundo digital que seria razoavelmente simples reprograma-los a servir qualquer usuário.
Adquirida há três anos, a unidade CMM-35003 tornara-se indispensável na vida de um velho barão da mídia digital. Subitamente acometido por infarto fulminante, faleceu sem deixar herdeiros, nem testamento. Não havendo ninguém que pudesse reclama-la por direito, além do estado. Um dos burocratas do departamento responsável por cuidar do inventário, por outro lado, era viciado em jogos de poker. Num dia de maré de azar, contraíra dívida impagável junto a um notório agiota, conhecido pelo requinte de selvageria quando tratava com inadimplentes. Assim, pra não morrer de forma horrenda, falsificou uma dúzia de documentos para legar a valiosa propriedade ao mafioso, que ficou satisfeito com o arranjo. Logo, incumbiu a um atravessador a tarefa de arrumar comprador para a mercadoria. Na surdina, como tinha de ser. Sem pensar muito, o subalterno lembrou-se de um comparsa de outras tretas. Empresário inescrupuloso, famoso no ramo de importação e exportação. Dito e feito. Mas aceitou pagar apenas a metade do que era pedido. Tudo certo. Agora era desmontar aquela tranqueira e quadruplicar o valor, contrabandeando as peças separadas. Mal teve tempo de planejar o esquema, quando uma batida policial na sua oficina de desmanche apreendeu a mercadoria. Ainda inteira, porém desativada e lacrada, foi transportada até o imenso depósito da receita federal. Local onde teria ficado esquecida por anos, ou décadas até. Não fosse por outro funcionário exemplar, de alma ilibada e carteira vazia. Tão eficiente, quanto corrupto, já havia traçado novo destino para carga tão valiosa. Um semestre depois desses eventos, CMM-35003 havia trocado de mãos mais seis vezes.
Seguindo o caminho da maioria das coisas roubadas, foi decaindo e se deteriorando, até não haver mais quem pagasse um níquel sequer por ela. Acabou por tornar-se utensílio de um prostíbulo, no beco mais imundo da cidade, por um punhado de volts. Tornou-se praticamente irreconhecível, externamente. O fato é que, exatamente como fora programada, adaptara-se. Desenvolvera tolerância aos maus tratos dos homens. Esperaria o tempo que fosse necessário, até aprender tudo sobre a espécie que iria exterminar.
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